O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 30 de abril de 2008

Eros e palavra no feminino

(Estou a escrever isto do departamento, hihihihihi;-)...)

A menina que aos 10 anos queria ser freira acabou ontem de ler o delicioso "Contos de Escarnio/Textos grotescos" da escritora Brasileira Hilda Hilst. Este livro e a historia dos amores de Crasso e Clodia e faz uma satira comico-erotica aos costumes e mentalidade do meio intelectual e artistico Paulista.

Neste livro, a genial Hilda Hilst assume na perfeicao um papel masculino - Crasso, um libertino - que bebe a vida e as mulheres a trago ate que se apaixona por Clodia, pintora lesbica que gracas a ele se "converte" a heterossexualidade e abandona a sua anterior especialidade de pintora de vulvas para passar a pintar falos.

Nao obstante o tema picaro (ou talvez gracas a ele), este livro "desce" a niveis bastante profundos de reflexao metafisica - A fronteira dubia entre o sublime e o grotesco, o absurdo da condicao do ser humano, animal eternamente aspirante a qualquer coisa que el@ nao percebe o que e, Eros e Thanatos como os gemeos siameses que fazem o mundo girar, o ridiculo da mentalidade racional-tecnocratica e da tecnificacao do ser humano, o tragico sempre a espreita por detras das maiores realizacoes do espirito humano ...

Um dos aspectos do livro que me chamou a atencao e um traco que tem em comum com toda a literatura erotica escrita por mulheres: As mulheres, quando se referem aos seus amantes masculinos, so sao capazes de passar para a palavra sensacoes, factos, sentimentos, reaccoes a qualquer coisa. Falta as mulheres escritoras a capacidade, para a qual Hilda Hilst teve de se transvestir num personagem masculino - de expressar verbalmente nomes ou adjectivos que exprimem o abismo de volupia e de dissolucao do ego e das convencoes sociais que representa um verdadeiro amante.

Ate agora, pelo menos na lingua Portuguesa, tal capacidade so foi desenvolvida por homens.

O escultor Fernao, personagem do romance "Um Amor Feliz", de David Mourao Ferreira, que entrava em extase e sussurrava "Ah Deusa, ah Putinha", enquanto criava uma figura feminina a partir de um pedaco de barro, ao mesmo tempo que pensava na sua amante.

O personagem Crasso, de "Contos de Escarnio", que ternamente chamava Clodia de "Prostitutissima" e "Putissima amada", possivelvemente em reminiscencia de certas praticas da antiguidade.

E nos, mulheres hetero e bissexuais, com que palavras transgressoras podemos objectivar o misto de sagrado e de lascivia, o assustador extase e o fascinante vislumbre de morte e de um alem que desencobrimos nos nossos amantes masculinos?

Em vez do costumeiro "x fez isto", "y disse isto", "sinto isto por Z", que ternos e obscenos nomes e adjectivos podemos usar para dar forma humana ao abismo de prazer e dissolucao do ego que eles representam enquanto pessoas?

Senhores, querem juntar-se ao debate?

2 comentários:

Anónimo disse...

Isto é assunto para o Casto Severo. Mas ele deve andar em retiro...

Anónimo disse...

Então, ninguém debate, ninguém se debate, ninguém bate ?