O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 11 de julho de 2008

Poema para Mário de Sá-Carneiro


Nem de seda nem de ouro, as vestes quero, perfumadas
Para os bancos do jardim velado, entre choupos e cantos
Quero nuas as vestes para a morte das acácias deitadas
Fontes de dormir, entre o mar e o barco. Terras altas de prantos

Vêm beber à sede das hortas, as horas que esperam recados…
Tremem quebrantos as serras, e as vozes feras dos lobos
Devoram a pobreza das ervas do caminho. Tambores irados
Acordam a chuva outonal dos rios. Nem uma gota falte nos lodos

Pantanosos, veias de prata crescente na secura opiácea do dia!
Batam chicotes para a dor do Entrudo! Mário, é hora de ser mudo
Vistam-se os campos da nudez do vinho, sementes de alegria
Para o requiem de mim: nu, gordo e em brasa, vestido de cetim e tudo

O que é fresco e fica bem à esfinge branca em purpurina e verso
Quero alaridos, gritos e desmaios, quando chegar o jardineiro coxo
Que ninguém me aborreça se vestir um xaile e usar um terço
Na mão direita, e na sinistra, um lírio desmaiado e murcho e roxo.

1 comentário:

Dois Rios disse...

Gosto tanto deste poeta. Cheguei aqui porque estava procurando no Google uma poesia dele. Que bom que aa encontrei aqui.
Bj.