O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Loucura e Santidade segundo o Padre António Vieira

“Logo há doidices falsas e doidices verdadeiras ? Assim é. […] As falsas, são as dos doidos que seguem a vaidade: Vanitates, et insanias falsas: as verdadeiras, são as dos doidos que seguem o contrário da mesma vaidade, que é a verdade. Mas se seguem a verdade, porque são doidos ? Porque toda a doidice se opõe ao uso da razão diferentemente. Os excessos dos maus obram contra a razão, e por isso são viciosos e vãos: os excessos dos Santos obram sobre a razão, e por isso são sólidos e verdadeiros. Uns e outros doidos nesta grande casa de loucos, que é o mundo, têm o seu hospital separado: o dos Santos está nos arrabaldes do Céu, para onde sobem; o dos maus nos arrabaldes do inferno, onde se precipitam: uns e outros andam fora de si como doidos: os maus fora de si, porque se buscam; os santos fora de si, porque se deixam” - Sermões Consagrados à Glorificação de São Francisco Xavier, Sermão Sétimo. Doidices, Sermões, XIII, prefaciados e revistos pelo Padre Gonçalo Alves, Porto, Livraria Chardron de Lello Irmão Editores, 1907-1909, p. 278.

“Não há grande empenho, sem mistura de doidice. E a razão é, porque para qualquer homem obrar heroicamente, e se exceder, e levantar sobre si, é necessário sair de si. Que foram os arrojamentos de Alexandre, senão doidices do valor ? Que foram as fantasias de Homero, senão doidices do furor poético ? Que foram os vaticínios das Sibilas, senão doidices da vista, que deixando a luz do presente penetrava as escuridades do futuro ? Há coisas que estão em nós, e outras que estão sobre nós, e estas são as admiráveis. […] E para eu chegar ao que está sobre mim, é necessário sair de mim” - Ibidem, pp. 287-288.

“Tais foram as doidices de [S. Francisco] Xavier. Não seguiu a Regra do seu Instituto, que citámos no princípio, mas todo se formou e transformou naquele grande apotegma do mesmo Santo Inácio: Insaniendum est, si vis esse perfectus: Hás-de te fazer doido, se queres ser santo. Ele o disse, e foi tão santo e tão doido, que se Deus pusera na sua mão a escolha, ou de ir logo para o céu, ou de ficar neste mundo servindo aos próximos com risco de sua própria salvação, tinha assentado consigo de escolher este segundo” – Ibidem, p.288.

2 comentários:

Anónimo disse...

Se os santos são todos doidos isso não quer dizer que os doidos sejam todos santos, pois não? Ou haverá que distinguir e dizer que os primeiros são loucos e os segundos apenas doidos? Será que a etimologia aqui ajuda? Alguém pode esclarecer?

Anónimo disse...

"Subamos às mais altas montanhas da alma, sim." (Ninguém)
Isto aqui em baixo é um Inferno! E vem um cansaço ao corpo que nos atrasa na subida, e faz doer os olhos e afadiga o espírito. E fere as virtudes e deixa-nos órfãos.

Ai Paulo! Eu quero qualquer coisa de excessivo: a Lua, como o Calígula...
Mas a Lua está acima de nós...

Um sorriso lunar