O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Saudade e Instante

"Para a radical imobilidade da nossa vertiginosa vida e para o gritante silêncio com que clama absurdamente por si mesma, onde encontraremos uma mais sensível figura que nessa Saudade em que o mesmo Pascoaes resumiu o nosso ser profundo? Enganam-se os que vêem nela apenas a disposição anímica prevalente da nossa particular existência. É só uma atenção aguda ao que ela traduz o que nos pode ser imputado. Enganam-se mais ainda os que nela denunciam a mera complacência pelo nosso pasado. A Saudade é a sensível existência humana, a si mesma incessível e próxima. Inacessível porque próxima. Como a de Teseu, a nossa circular aventura decorre num labirinto buscando o dono dele, desde sempre aí esperando-nos, mas impossível de tocar se para ele não nos encaminham os fios do amor e da esperança. São eles que nos asseguram o regresso que a Saudade significa. Nela vemos que os meandros sem fim da nossa caminhada não conseguiram expulsar-nos da terra incircunscrita do Instante. Quem encontramos é o mesmo que buscava, o labirinto é a própria busca antes que a Saudade, de súbito, a faça reverter para o lar da nossa perpétua infância. Aí vemos que o esquecimento não triunfou, que o Instante onde enraizamos corre imóvel sob o seu reflexo tornado criatura a que chamamos Tempo. A segunda vez, o re-conhecimento que a Saudade manifesta é a verdadeira primeira vez, terra de nascimento e não túmulo. Com profunda justiça foi que Pascoaes lhe chamou Criação..."
- Eduardo Lourenço, "Tempo e Poesia", in Tempo e Poesia, Lisboa, Relógio d'Água, 1987.

4 comentários:

Paulo Borges disse...

O verdadeiro nascimento e a verdadeira criação: reconhecimento no que Insta, no que In-sta, no sempiternamente antes que não se sedimenta no estar, no ex-istir! E que por isso o torna hiper-sensível...

Unknown disse...

Hmm... "inst-eressante". :)

Anónimo disse...

Paulo Feitais:

o mundo inteiro é uma espera
um lençol do mais fino linho
sudário e toalha
frio resguardo
e lá no fundo
à beira do horizonte de eu estar no mundo
a última estrela desvanece-se contra o azul claro
da madrugada que há por haver luz
mesmo antes do sol ressuscitar
e sei
que a alma da serra
cabe num coração de homem
e é maior que todo o firmamento
e tem um sorriso de não ter sido

;)

Anónimo disse...

O nosso ser profundo é Saudade, mas essa saudade é divina, porque é esperança. É instante, mas não é nossa. Memória sem passado a que chamemos nosso; Visão que só se reconhece na Criação. É a criação a Saudade? É a sombra, a verdadeira luz? Sombra de nós? Sombra de Deus?