O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


terça-feira, 14 de outubro de 2008

Meditações sobre a Saudade


Estou nesta Casa, mas não sou de cá. Nesta casa onde estou, o que menos está sou eu. Não é que esteja ausente, nem viva de chamar ou evocar outro universo ou outra pátria. Não substituo, restituo. O quê? A quem? Primeiro em mim o acharei, e só depois é que o Princípio vem. Todas essas respostas o espírito as achará, não no sentimento da memória (quilha de navio partida, embarcadouro sôfrego do vazio, vale fundo …), mas em imaginação e chamamento, não do que desapareceu e se afastou, mas do que se aproximou e apareceu. Pelo espírito, a concha e a água, o conteúdo e o continente, o antes e o depois, se clarificam e eternizam, libertos do tempo e do peso do sentimento. E se do mesmo fado se não libertarem, aceitar pode ser a via da Saudade. Pela palavra e pelo corpo o sentir e o ser simpatizam com o mundo criado.

Primeiro havia a vontade de ser. Quando o Ser se separou do estar, criou-se a cisão que abriu as portas aos dois mundos. Passar por essas portas em simultâneo, atravessar espírito e matéria para criar o incriado, só em Saudade o fazemos. Também por isso, a “folha que cai é a alma que sobe” (e as garças do lago são para mim a neve do Natal…). E se Deus se quis oculto em sua origem, mostrou-se em ausência e desejo puro. De quê? Do mesmo mundo, divina sombra.

5 comentários:

Anónimo disse...

Não sou nesta casa. Estou cá, porque em mim o ser está separado do estar. E os pés azuis são o alfabeto da saudade. E a saudade tem um alfabeto de cores que apontam no abismo da alma, o Princípio. Viver, para os que a sentem, à saudade, é ser sinalizado pelos impactos que essa intensidade da cor desperta na intuição última de que andamos em círculo à volta da Origem.
Quando o mundo se afasta, a alma conhece o desejo puro e veste-se da "divina sombra". Os sonhos agitam-nos de eternidade. E a vida só faz sentido quando, estando à mesma distância do centro, passamos, pela bondade e pelo amor, para um círculo mais perto. Nesses instantes sobrevém a "alegria breve" que o Vergílio Ferreira conhecia tão bem e tu também. Apesar da escrita aparecer vestida de tristeza. Um sorriso feliz por ter lido nestes dias mais tristes os teus textos plenos do que me faz falta: beleza e sentido.

Anónimo disse...

"A Filosofia é, no fundo, saudade." - Novalis

Anónimo disse...

Isabel,

Agora a montanha azul desceu aos pés de Isabel, subiu e, no ar, o alfabeto da Saudade traçou no voo do pássaro um sinal conhecido. Havemos de ir à fonte de Iabel, este outono. As folhas rodopiam em redor do mármore e parecem esperar por nós.As nuvens movem-se e parece clarear para os lados da casa das gaivotas. O azul continua azul e não empalidecem as flores amarelas da jarra branca. Há livros espalhados à espera do traço de Gabriela que, borboleta, por lá poisou nos dedos de Isabel.Cantarei uma ária para a nossa tristeza clarear.Uma "alegria breve", para "um mundo coado de neve" que na brancura canta e eleva. E pediremos num sussurro a Cristina: "Toca, Cristina , toca" a nona de Chopin...
Um beijo

Anónimo disse...

Vfs,

Uma flor azul para ti.

Anónimo disse...

A aparição! E como é linda essa música...

Envio um beijo pelas mãos tocadas pela borboleta. Ontem estive no bosque e ouvi, claro que ouvi, a Gabriela.