O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


segunda-feira, 6 de abril de 2009

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Fala-se do tempo… do clima, do frio.
Perde-se a confiança no Sol.
São os dias calmos e tranquilos que antecedem a Primavera.
Fala-se do tempo, duvida-se, afirma-se, tem-se a ideia de que tudo a qualquer instante pode mudar. Pode vir a chuva, pode voltar o vento, pode voltar em tempo, pode vir o frio.
Não se acredita no calor dos dias, que aqui e agora por nós é desfrutado.
Ainda há neve na montanha… alguém perto relembra. É certo, em neve até Abril.
Relembram-me, ninguém acredita no tempo que nos é concedido.
Ninguém aqui acredita ou imagina sequer em um fluxo de vida entre elementos... Olho em volta; um mecânico, um electricista, um professor, um alcoólico, um reformado, o dono do estabelecimento… É apenas luz da qual toda a vida depende, relembra; sentados junto ao rio pequeno que agora mais fraco, mas com outra beleza, salta e avança entre as pedras do seu percurso.
Regressam aves, regressa o canto que ecoa na luz do vale.
Passa uma motocicleta que irrompe o silêncio em baixa velocidade saudando os contempladores. Incrédulo, também eu, que precisava de uma fotografia.
A calçada antiga, a nova vedação camarária - verde por sinal - e a alta chaminé desactivada; vermelha colunar do tempo, repouso e local de avistamento da sociedade aos olhos de uma cegonha. Em silhueta distam antigos pinheiros e choupos, a casa de pedra no rio, a outra torre erguida ao som da alta-voltagem e a luz do dia languidamente abraçada pela copa das agulhas nos ramos.
Nada mais avisto... E escrevo, não mais quero ver.
À direita, em baixa paisagem, volto ao rio, pequeno, conduzido por ramos de arrasto, silvas, freixos, arbustos e árvores de pequeno porte, por isso memorável.
Pode vir a chuva, a neve e o vento, mas este fim de tarde é único. Por fim é tarde.
Verdejante horizonte ainda tímido relembra o Outono e o laranja-escarlate das árvores desfolhadas pela terra em viagem. É o falso rubor adiantado pela luz que mascara de cor as plantas, agora verdes. Reescrevo, agora douradas, em fim de tarde.
Não deixa de ser vida, não deixa de ser o astro pintor.
Se fiel for ao relato, retrato o que vejo como… mais que Sol, ainda além que luz… reescreve, mil sóis atrás dos pinheiros.
Entre os espaços vazios das plantas, dos troncos e altos ramos ocupa esta luz o falso limite da folhagem, propagando-se em todas as direcções de entre o difuso verde filtro de bosque, inundando o restante dia em noite e ocaso.
Mil sóis ou astro maior que agora se despede do infinito pela evidente escala da floresta em paisagem. Relembro a chávena fria e tragando ainda morna a seiva que flui pela garganta agastada pelo fumo, experimento o estímulo ou o paladar dos poetas que escrevem sentados num banco de café.

13 comentários:

Anónimo disse...

Nesses momentos já não sabemos se somos nós que olhamos a paisagem ou se é ela que nos olha a nós.
A janela por onde se vê a paisagem é uma lente filtrada pelo que é observador e observado.
"Um fluxo da vida entre momentos" é uma outra forma de ver o tempo e a paisagem. O sol há-de chegar ao ponto em que aparece na fotografia. Já lá estava antes à espera do olhar. E os planos interior e exterior interpenetram-se... Ainda outro plano para além deste, suspenso, estático, a sorrir do nosso olhar. Seguindo os nossos gestos e o nosso próprio ruído mental por dentro e o ruído real exterior, todo existente, das coisas que fazem o barulho que lhe é próprio: o da motocicleta, o da nossa mesma respiração tão exterior e ao mesmo tempo tão íntima, tão nossa.
A imagem que falou disse em legenda, a lenda que nos encantou: a de mais um momento acrescentado à eternidade, ou tão só os raios divinos da tarde (acho que é a tarde)que anuncia a noite.
É misterioso o efeito de tudo isso. Como um deus que não dorme.

Um abraço carinhoso e um obrigada por esta magnífica imagem, enquadrada com um texto que nos deixa a pensar na existência. Como se existíssemos...

bicho da seda disse...

"Poesia chorada, como o mar sob a chuva?
Poesia aflita, como um farol no denso nevoeiro?
Poesia angustiada, como a futura mãe?
Alegre o olhar, os meus dedos são mensageiros dos deuses
E cantam o que me sobra e eu não sei entender.
Alegre o coração, escapa-se de mim um fumo de dor,
E enquanto rio, sou também lágrimas e soluços.
O acordo é uma promessa do paraíso perdido mas não morto,
pois as suas portas choram por mim em mim."

"O banquete infinito"
antónio quadros

guvidu disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
guvidu disse...

A beleza imensa de uma imagem de quem nas palavras não se mascarou mas se assumiu...homem-poeta!

Adorei e sinceramente grata pela com-partilha, imanada de um espírito de montanha que se fez comunhão de sentido(s), perdidos e reencontrados. :)

O meu bj de luz e paz para ti e p/ a Saudds. Namastê

Isabel Santiago disse...

Sento-me neste instante para esperar o poema que chegará às tuas mãos enquanto afastas o olhar sobre as cores de um pintor chamado Sol. o poema virá, porque tu o convocas à clareira do teu ser. Espero pelo poema que é em ti uma estação pujante de Primavera.

baal disse...

adorei a canção, mas tú e a isabel não dizem nadacope

Anónimo disse...

baal,

Eu também adorei a canção... Foi por isso que me esqeci de te dar o medicamento...(Ai, ai, ai!!!)

Um sorriso baal

baal disse...

certo, saudades um abraço, e um pedido de desculpas, que nada servem

Anónimo disse...

...nadinha, baal.

outro.

Isabel Santiago disse...

um sorriso para baal. E um dia feliz.

Anónimo disse...

obsessão com o sol

Eva disse...

adormeço... quentinha. E sonho com a Lua.

guvidu disse...

O Félix é um poema vivo!