O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 15 de abril de 2009

A Saudade e a Natureza Primordial

«...a saudade enquanto esse inquietante vínculo desiderativo entre o que o sujeito é no plano da temporalidade e o "clima" ou "terra" onde "outrora" nasceu e sonhou.»
Esta pequena frase, citada do livro Jogos do Mundo escrito pelo Professor Paulo Borges, evoca o tema da saudade, tema muito reflectido pelo Professor em vários livros seus, dos quais destaco «Da Saudade Como Via de Libertação». Segundo o investigador, saudade tem origem na palavra latina solitate que significa solidão. Solidão de quê?
Já Cem Komurcu, no seu artigo "Melancolia em Istambul e Lisboa" publicado na revista Nova Águia Nº3, cita o seguinte pensamento de Schelling: «O mais escuro e por isso mais profundo da natureza humana é a Saudade, como que a gravitação interior do ânimo, por isso melancolia na sua aparição profunda.» Em linhas muito gerais, no artigo mencionado o pensador turco-germânico escreve sobre o estado de melancolia que reina tanto em Istambul como em Lisboa. Estando Istambul separada pelo Bósforo, os seus habitantes sentem-se fragmentados devido à cisão existente entre a mentalidade e cultura europeia e asiática. A melancolia de Lisboa é diferente, mais metafísica, pois estando esta cidade situada no finisterra, na ponta ocidental da Europa, encontra-se de costas voltadas para o oceano in-fundo e in-finito, fluindo o Tejo do finito para o in-finito, do mundo para o i-mundo, da terra para o céu. Assim, devido a um sentimento de separação e de solidão, Istambul e Lisboa são cidades melancólicas. Separação de quê?
Erich Fromm expõe a sua teoria do amor no livro "A Arte de Amar", afirmando que durante evolução, o homem emergiu do reino animal e transcendeu a natureza através do desenvolvimento da razão. Uma vez separado, não consegue voltar ao dito paraíso-um estado primordial de união com a natureza. Curiosamente, Fromm aborda o mito de Adão e Eva, afirmando que estes ao separarem-se da natureza sentiram-se envergonhados de estarem nus devido à consciencialização da sua diferença de sexos. De seguida Fromm afirma que «A consciência da separação humana, sem haver uma religação através do amor, é a origem da vergonha. É também a origem da culpa e da ansiedade.» Neste livro, o psicólogo defende o amor como a via de regresso a essa natureza primordial do qual o homem se sente separado.
Também o Professor Agostinho da Silva aborda o tema do amor. Em Sete Cartas a um Jovem Filósofo (1945) escreve: «quando se ama, em silêncio se ama: às vezes o sabe a mulher amada, mas creio até que num amor que fosse pleno, em que nada entrasse das preocupações da terra, nem ela o saberia.» Este amar em silêncio evoca o estado de união que existe entre sujeito e objecto após a diluição do ego e dos seus ego-interesses. É que o Professor, melhor que ninguém, sabia que o sentimento de si, com as suas tendências de fixação, de aversão ou de ignorância é o grande causador da cisão entre o homem e a natureza. Mas afinal que natureza é esta? Julgo que a natureza de que fala Fromm é a consciência primordial, a consciência que sempre esteve, está e estará com o homem (e sem o homem) e com a qual em silêncio se ama, em que nada entrasse das preocupações da terra, preocupações que têm como origem a mente egótica que ilusoriamente cremos que existe.
Em relação a este assunto, a via budista propõe formas interessantes de limpeza da mente. O Hinayana ou pequeno veículo, apresenta várias técnicas que destroem a ilusão da ex-istência do ego. Já o Mahayana ou grande veículo concentra-se mais no aperfeiçoamento do sentimento de amor pelo próximo. Se o primeiro veículo dá mais ênfase ao re-conhecimento da vacuidade do ser, o segundo veículo preenche essa vacuidade com amor e compaixão. Através do treino das Quatro Ilimitadas, o praticante budista enche o cálice da sua consciência livre de véus mentais conceptuais e emocionais com amor, compaixão, alegria e equanimidade, o qual lhe permitirá ao longo do tempo re-conhecer a sua consciência primordial.
Creio que agora já se pode responder às perguntas acima colocadas. Por algum motivo o ser humano separou-se da natureza. Segundo o Professor Agostinho da Silva, na Idade de Ouro o ser humano alimentava-se de frutos. Todavia os frutos começaram a escassear e ele teve que procurar outros alimentos. Começou a matar os seus irmãos animais e um sentimento de culpa invadiu a sua mente, separando-o daquilo a que anteriormente se sentia ligado e que o fazia sentir-se infinito, omnipresente, Deus. Se actualmente nos sentimos em solidão, em depressão, em crise (sentimento muito presente nas nossas mentes actualmente), é porque os véus mentais não possibilitam a contemplação da nossa natureza primordial. Se a Saudade e a melancolia impregnam de lava as nossas mentes, é porque no fundo do vulcão algo nos apela a regressar. Creio que através do amor, da arte de amar, da oração, da meditação, através de vias espirituais traçadas por mestres do amar como Cristo, Maomé ou Buda é possível re-gressar ao "clima" ou "terra" onde "outrora" nascemos e sonhámos para viver a vida plenamente.

19 comentários:

Anónimo disse...

o problema não é o ego, é se tens coragem para amar (lutar, ´conquistar'), amar pela ausência era para o Homem de Papel.

Eunice disse...

Amar é lutar, conquistar!?

maro disse...

vocês não percebem nada de budismo
o verdadeiro buda não diz nada
está sempre sentado e quietinho precisamente onde vocês estão

Mara disse...

esta noite tás feito comigo

marado disse...

é isso mesmo que quero
estar feito contigo

Mara disse...

já estou aqui! há aqui aqui muitos marados... estás em que árvore?

marado disse...

Aqui aqui em cima da tua cabeça

Leda disse...

Respeitem os textos! Façam comentários de jeito. Não têm nada a dizer sobre o que lá está? O que é para vocês a saudade? Para mim é ausência, abertura onde nada falta, por isso mesmo que nada há para faltar ou a quem falte.

Anónimo disse...

Deveria eu, Saudades, acrescentar um omentário que fosse sinal de alguma Saúde, neste meu solitário e consciente estado de saudoso estar... Deveria dizer que a Saudade é Origem, Via e o que ao mesmo tempo des.Via, oculta e vela a vera Via e até a Ausência dela; No Regresso que almeja, sabe que há e porque houve e ouve em memória vivida, o som e o haver de um puro estar, a Saudade é Esperança e Meditar... É a Saudade desejo de regresso a essa consciência primeira de nascimento, antes que o abandono, abandono e ausência radical de Deus em nós, por nosso deturpado e iludido estar nos tenha levado para a melancólica lágrima da separação de Deus, ou dessa consciência de nós como Origem,antes da cisão... A nossa Saudade é o desejo de que plenamente cheia seja a Saudade; a Ausência plenamente vivida; a infinita melancolia dessa falta primeira que só quer o antes de tudo, o primeiro sopro de uma primeira chama que nos há-de queimar em Amor. Mas primeiro em nós há que matar o que nos mata; há que matar o que nos não mata, fazendo em saudade transmutar-se em pensamento divino, em meditado Amor, em vero despertar; o tudo nada que é Saúde e Infância: amar sem quê nem porquê, nem para quê, no fundo sem fundo de tudo. Há que matar também o que nos liberta, há que matar a Saudade.
A Saudade que "solitária" se "envergonha" da sua não pureza inicial, da sua não união ao que é o inominado sentimento de pertença a tudo o que era antes de tudo... O outrora de tudo

Pela Saudade se cura, se a Saudade é entendida como Saúde, mas nessa cura se morre!

Um abraço, Saudades.

Lélia disse...

Se a Saudade é isso porque és Saudades do Futuro!?

Anónimo disse...

Cara Lélia,

Se bem lhe fica o perguntar, quanto melhor lhe não ficará o pensar e o responder? E o nem uma coisa nem outra?

A todos a Saudade na sua meditação convoca...
Porque, em Saudade, eu sou tu e tu és eu? É isso possível? (Pergunta mentalmente respondida...)

... agora ou no futuro...

futuro, porque tudo já aconteceu antes... Esse é o futuro que nos chega do além do tempo? do para além, do para além do mal e do bem? do passado e do futuro...

Um abraço de Saudades eternas

Anónimo disse...

Caros amigos,
confesso que não estava à espera de tantos comentários, sobretudo resultantes de um post tão dual quanto oco como este.
Anónimo, não poderia estar mais de acordo consigo. Amar é lutar, amar é conquistar com coragem. Pergunto: conquistar o quê? O seu comentário fez-me recordar os monges guerreiros da idade média e os guerreiros de Shambala que, creio eu, lutavam contra as i-lusões que rodeiam uma não menos ilusão - o ego. O ego, com as suas fixações e aversões por objectos torna o sujeito doente, sedento, fragmentado de uma natureza que desconhece. Assim, amar é lutar contra o ego para conquistar o inconquistável... Amar é aniquilar o ego para se deixar de amar. Só morrendo é que se pode amar verdadeiramente.
Maro, concordo consigo. Buda significa despertar (Bu-iluminação, Da-purificação). Assim, «o verdadeiro buda não diz nada está sempre sentado e quietinho precisamente onde vocês estão» pois Buda é consciência primordial que se encontra presente em cada um de nós. Todavia, no post mencionei não o despertar, mas sim o Buda Shakyamuni, o buda histórico, o homem que por compaixão partilhou connosco o caminho para a iluminação. De facto, não percebo nada de budismo porque creio que não há nada para perceber.
Mara, julgo que através das seis paramitas (generosidade, disciplina, paciência, entusiasmo, concentração e sabedoria) conseguirei eliminar-te, assim como tu eliminar-me-ás da tua existência.
Marado, fez-me recordar um sermão do Padre António Vieira, do qual cito: «Logo há doidices falsas e doidices verdadeiras? Assim é. (...) As falsas são as dos doidos que seguem a vaidade: Vanitates, et insanias falsas: as verdadeiras, são as dos doidos que seguem o contrário da mesma vaidade, que é a verdade». Que todos nós sejamos marados para não seguir os caprichos da vaidade que tem como origem o ego... Que todos nós sejamos doidos varridos para que a verdade permaneça sobre a mentira.
Leda, creio que a «ausência ou a abertura onde nada falta» de que se refere não é Saudade mas sim Saúde (seguindo uma linha de pensamento proposta pelo Professor Paulo Borges). Mas como Saúde, Buda, Cristo, Aquilo que "é", etc... são palavras que de-finem algo in-definível, inefável, concordo discordando ou discordo concordando.
Grato pelos vossos comentários, os quais ajudam imenso a clarificação das minhas ideias, que por não serem minhas se obscurecem nas trevas profundas de que fala Raul Brandão no post anterior.

Saúde:)

afhahqh disse...

Excelente texto.

Paulo Borges disse...

Viva, Nuno! Bom revê-lo por aqui. Então não apareceu no curso?

Não quer voltar a postar aqui?

Um Abraço

Amigo Kunzang Dorje,

Por favor não me chame "Professor".

Abraço

Anónimo disse...

Caro Kunzang Dorge,

Penso que a parte da resposta que me cabe será a de contribuir para o obscurecimento das ideias que, por não serem suas é que se obscurecem na treva do post anterior... bonito! Agora é que sim!

Transparências!... Eu sempre disse que não existia...

Não sei se hei-de agradecer o ter ignorado as "parvoíces" que para aqui foram ditas, mas não sei onde ficaram... aqui não estão...

Também não estão neste abraço, ou estão??

P.S. Fico triste, Kunzang, deve ser o meu ego saudoso! snif! snif!

Um sorriso invisível para si.

afhahqh disse...

Não apareci... não sei porquê... quero, quero voltar a postar.

Um abraço,

Nuno.

Anónimo disse...

Cara Saudades,

grato pelo sorriso invisível, o qual tão bem ilumina a alma, tornando-a visível.

Grato.

Anónimo disse...

Os poetas são tão melindrosos...

poeta disse...

Também... nem todos os melindrosos são poetas... alguns são filósofos, outro, saudosos e há ainda os que nem uma coisa nem outra... estão em todas as coisas ausentes de uma presença saudável