O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O maior medo que cada um de nós consigo transporta é o medo de si mesmo

O maior medo que cada um de nós consigo transporta é o medo de si mesmo, o medo dessa região tenebrosa ou sombria dissimulada atrás de cada um dos nossos instintos, emoções, pensamentos e sentimentos, o medo desse pouco confessável ou ignoto território que, por falta de coragem para o afrontarmos face a face, nos condiciona numa contínua fuga para diante de onde resulta toda a avidez e violência, mas também todas as aparências de virtude e santidade, todos os disfarces de amor e compaixão, todos os projectos de salvação universal, com que impregnamos e iludimos o mundo, a começar por nós mesmos. É nessa treva ou sombra que se oculta o infinito luminoso que somos, o fundo comum e os confins sem fim de todos os seres e coisas. Ter a coragem de atravessar e iluminar essa floresta escura, com mais monstros do que todas as mitologias planetárias, numa jornada solitária e nua, sem armas, escudo ou armadura, com o propósito de libertar o universo da nossa ignorância e um dia regressar para incitar os outros à mesma empresa, é a maior realização a que podemos aspirar. Comparada com ela, a história das civilizações, as conquistas tecnológicas e as viagens espaciais são meros e fúteis jogos de crianças adultas.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

a casca da laranja
que toda a gente tira

será que para alguns
é
laranjerie?

o quê
você 
não ri?
PARA CHRISTIANA NÓVOA
(ler/ouvir em " NOVOA EM FOLHA")

este seu poemar
está dentro 
do meu estilo

uma espécie
de (en)cantar

quando o poeta veste
asa-
de-
gilo

sábado, 18 de agosto de 2012


SEMIÓTICA

camiseta de verão
sem o jacaré
não é que seja menos bela

mas é
como automóvel MERCEDES
sem a estrela

barco à vela
sem a vela
cão sem a coleira
ou sem a trela

camiseta de verão
sem o jacaré

não é

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Relincha quando a raiva, toma conta da palavra. 
Coisas da vida que nenhuma escola ensina. 
Na estrada, um eucalipto, desfaz o asfalto. 
Na vila, uma escola vai ser encerrada. 
Tempos ausentes, perdidos no tempo.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012


SUICÍDIO

sacanas de mosquitos

embebedam-se de mim
saem pelos ares aos tombos
envenenados
a voar

aflitos

terça-feira, 7 de agosto de 2012


FÁBRICAS


não damos por isso
:
somos imparáveis produtores
de outputs
:
fezes e urina
esperma
suor lágrimas
cabelos unhas

LIXO
a Via(gem)
 
em toda a partida se reúne e realiza
a verdade primeira e última do Início
na fundura das impossíveis vagas se cura
a ferida do eterno retorno.

HIERARQUIA  DO CONHECIMENTO
:

- empírico

- científico

- filosófico

- poético (de revelação)

domingo, 5 de agosto de 2012

Águia Cobreira

 

Nas noites quentes de verão, Robin desenha a lua no pátio. Em silêncio conta as estrelas. 

- Vou pedir à 'águia cobreira' que me leve até ao céu. Quando chegar no limite das nuvens, salto entre as estrelas cadentes até conseguir encontrar uma que me abrace. De longe verei o mundo pequenino. Os homens que hoje me assustam serão tão minúsculos que não me perturbarão mais. Vou canta
r alto de braços abertos e dançar como se o céu fosse parte de mim. Entre as nuvens serei mais uma que se dilui na chuva, até ser nuvem de novo. Nas noites frias escondo-me do outro lado do mundo onde o sol vive todo ano. Se a saudade apertar meu peito, desenho um poema até que a dor seja apenas a lembrança do sofrimento.
De vez em quando, peço à 'águia cobreira' que me leve ao oceano e fique comigo até que eu canse meu corpo e queira regressar ao céu antes do sol raiar.

- Este ano a águia não apareceu. Tens de esperar que o mato seja aparado e as cobras fiquem a descoberto. A águia precisa de as ver à distância. Voar com destreza até que as cace inteiras. Umas são vermelhas e pretas, outras tão verdes que nem a cobra as distingue. Quando a terra estiver castanha elas mudam de cor. Temos de cortar o mato, descobrir as cobras, antes que elas nos mordam as pernas e nos envenenem por dentro.

- A águia vai aparecer. Faz parte da vida dela, esteja o mato aparado ou não. Por isso é a águia cobreira. Depois quando o perigo não for senão o perigo, voarei com ela…

- Anda agora, que a noite é quase manhã e a águia foi-se deitar. Amanhã aparo o mato, dou-te um abraço apertado, escuto teu coração e te beijo com amor, para que possas voar em liberdade…

Nas noites de lua cheia choro a saudade que tenho dele. Não sei se foi a águia que o levou, se foi o mar que o abraçou.

Nota: A expressão 'águia cobreira' foi inventada por um amigo pequenino de 6 anos, que me explicou que ser uma águia que caça cobras.