O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


domingo, 5 de agosto de 2012

Águia Cobreira

 

Nas noites quentes de verão, Robin desenha a lua no pátio. Em silêncio conta as estrelas. 

- Vou pedir à 'águia cobreira' que me leve até ao céu. Quando chegar no limite das nuvens, salto entre as estrelas cadentes até conseguir encontrar uma que me abrace. De longe verei o mundo pequenino. Os homens que hoje me assustam serão tão minúsculos que não me perturbarão mais. Vou canta
r alto de braços abertos e dançar como se o céu fosse parte de mim. Entre as nuvens serei mais uma que se dilui na chuva, até ser nuvem de novo. Nas noites frias escondo-me do outro lado do mundo onde o sol vive todo ano. Se a saudade apertar meu peito, desenho um poema até que a dor seja apenas a lembrança do sofrimento.
De vez em quando, peço à 'águia cobreira' que me leve ao oceano e fique comigo até que eu canse meu corpo e queira regressar ao céu antes do sol raiar.

- Este ano a águia não apareceu. Tens de esperar que o mato seja aparado e as cobras fiquem a descoberto. A águia precisa de as ver à distância. Voar com destreza até que as cace inteiras. Umas são vermelhas e pretas, outras tão verdes que nem a cobra as distingue. Quando a terra estiver castanha elas mudam de cor. Temos de cortar o mato, descobrir as cobras, antes que elas nos mordam as pernas e nos envenenem por dentro.

- A águia vai aparecer. Faz parte da vida dela, esteja o mato aparado ou não. Por isso é a águia cobreira. Depois quando o perigo não for senão o perigo, voarei com ela…

- Anda agora, que a noite é quase manhã e a águia foi-se deitar. Amanhã aparo o mato, dou-te um abraço apertado, escuto teu coração e te beijo com amor, para que possas voar em liberdade…

Nas noites de lua cheia choro a saudade que tenho dele. Não sei se foi a águia que o levou, se foi o mar que o abraçou.

Nota: A expressão 'águia cobreira' foi inventada por um amigo pequenino de 6 anos, que me explicou que ser uma águia que caça cobras.

4 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Com justificada ponta de inveja, sinto-me aturdido e embriagado com tanta beleza de expressão poética, desejando ser nuvem para, em lágrimas de saudade, me eternizar em permanente ligação com o mundo das estrelas e as vagas do oceano! JCN

platero disse...

poético até aos píncaros das palavras

como ETHEL merece

abraço

ethel disse...

JCN e Platero:
entre nós vivem as águias. Beijo

João de Castro Nunes disse...

É bom saber que entre nós
as águias fazem seus ninhos
e que nos nossos caminhos
a sordidez não tem voz!

JCN