O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 31 de outubro de 2012

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Children of the sun



We are ancients 
As ancient as the sun 
We came from the ocean 
Once our ancestral home 
So that one day 
We could all return 
To our birthright 
The great celestial dome 
 We are the children of the sun 
Our journey's just begun 
Sunflowers in our hair 
We are the children of the sun 
There is room for everyone 
Sunflowers in our hair 
Throughout the ages 
Of iron, bronze, and stone 
We marvelled at the night sky 
And what may lie beyond 
We burned offerings 
To the elemental ones 
Made sacrifices 
For beauty, peace and love 
We are the children of the sun 
Our kingdom will come 
Sunflowers in our hair 
We are the children of the sun 
Our carnival's begun 
Our songs will fill the air 
And you know it's time 
To look for reasons why 
Just reach up and touch the sky 
To the heavens we'll ascend 
We are the children of the sun 
Our journey has begun 
All the older children 
Come out at night 
Anaemic, soulless 
Great hunger in their eyes
Unaware of the beauty 
That sleeps tonight 
And all the queen's horses 
And all the king's men 
Will never put these children back 
Together again 
Faith, hope, our charities 
Greed, sloth, our enemies 
We are the children of the sun 
We are the children of the sun 

in Anastasis, por Dead Can Dance

A 24 de Outubro de 2012, os Dead Can Dance, fizeram a sua aparição, pela primeira vez em Portugal, na cidade do Porto, para uma apresentação musical que para sempre perdurará na memória dos que estiveram presentes. Como diz Ariana Ferreira, ''Se a música não gozasse de um estatuto de eternidade tão maior ou tão poderoso quanto o do cinema ou da literatura, no epitáfio dos Dead Can Dance, datado de 1998, ler-se-ia: ''Aqui jaz um dos mais inventivos projectos de culto da actualidade, que se distinguiu pela fusão entre a música de época, cânticos de influência gaélica e médio-orientais, e a música electrónica, sem nunca descurar uma estética visual muito particular e cuidada.'' Apontamento de reportagem, Aqui.


Minha cara não é feia
Minha mão não tem peçonha
Se eu não me casar
Não é uma pouca vergonha?

Sempre achei que esta era a estrofe seguinte ao poema da batatinha. Depois do jantar, meus pais sentavam-se no sofá da sala de estar e esperavam que eu recitasse. De frente para eles, enquanto declamava passava minhas mãos pela cara, abria os braços e perguntava convicta:
-       Se eu não me casar não é uma pouca vergonha?
Então, meus pais batiam palmas e eu tinha a certeza que eles gostavam de mim.
Podia dormir descansada, porque em todos meus sonhos, os príncipes existiam como nos contos de fadas.
O Visconde de Sabugosa, a Emília, o Pedrinho e a Narizinho eram meus fieis companheiros. De dia ou de noite, bastava cheirar o pó de pirlimpimpim, que ganhávamos asas para outras viagens. As madrastas feias eram derrotadas e o mundo podia voltar a sorrir.
Quando aprendi a ler, a minha professora deu-me um livro francês, que contava a história de uma baleia azul. Escreveu uma dedicatória dizendo que um dia eu também poderia contar histórias. Durante muitos anos, folheei o livro, adivinhando a história através das imagens.
Ficou a vontade secreta de que um dia eu escreveria numa língua em que todas as crianças do mundo reconheceriam. Uma língua que não precisaria de tradução, porque os sons seriam amigos. Abraçariam o coração, fariam cócegas no corpo , ririam e chorariam na cadência das histórias bonitas.
O livro da baleia azul ainda mora comigo.  Sei de cor a sua história. Corre pelo meu corpo, agora,  a caminho de outra infância.

Batatinha quando nasce
Espalha a rama pelo chão
A menina quando dorme
Põe a mão no coração
     ...
Se eu não me casar
Não é uma pouca vergonha?

No final da primária, senti uma dor aguda chamada despedida. Eu iria morar longe e nenhum dos meus amigos, nem daqueles por quem eu estava apaixonada seguiriam comigo.  O pó de faz de conta, não acalmou a dor.
Na varanda, deitada na rede, ouvindo o mar eu cantava baixinho:

Quem parte leva saudades de alguém que fica chorando de dor
Por isso eu não quero lembrar quando partiu meu grande amor
Ai, ai, ai ai, ai ai ai,está chegando a hora
O dia já vem raiando, meu bem, eu tenho que ir embora

O meu amor eram tantos que juntos eram só um, e era tão intenso o que eu sentia que meu pai ensinou-me que esse vazio tão cheio se chamava saudade.

Disse ainda que umas vezes dói, outras acalma por dentro e nos faz sorrir.

Foi assim acolhendo o dia que aprendi a gostar do tempo que nasce e morre em cada manhã, como se fosse o poema que um dia prometi escrever numa língua em que todas as crianças entendem. Não tem gramática, nem acordos. Conjuga todos os verbos no presente sempre na primeira pessoa do plural, porque nela nos reconhecemos todos.

Enquanto minha mãe toca piano, meu pai ensina-me outro poema.
Este, que mora no intervalo de cada palavra esquecida.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012


CHUVA

ela aí está

primeiro suave
macia
leve como se fosse neve
suspiro de pássaro

andar subtil de gato

no telhado

logo engrossa
e ganha o ritmo
e o som
de trote
de galope
de cavalo

sem cavaleiro
que consiga
dominá-lo

chove
a galope

terça-feira, 23 de outubro de 2012


IMPÉRIO DOS SENTIDOS


trago os sentidos despidos
como vieram  ao mundo
são por isso mais sentidos
mais sensíveis quase a tudo

ao velho Sol se aparece
por detrás do nevoeiro
aos prados quando ele aquece
ao olfato  aos sons aos cheiros

despidos como mendigos
coitados sem agasalhos
felizes se andam comigo
por veredas e atalhos

sem roupa trago-os na pele
com eles às vezes brinco
chamando cada um deles
sendo eles bem mais que cinco

há o sentido da esperança
já velho sem ter idade
um morno - da temperança
que embirra c´oa liberdade

o sentido da Justiça
tão maltratado por vezes
traja a rigor e cobiça
a esperança dos portugueses

há muitos destes sentidos
mais que olfato e paladar
tato visão e ouvidos
que é preciso despertar

sábado, 20 de outubro de 2012

À MEMORIA DE MANUEL ANTÓNIO PINA

olha que fazer agora?
nada

deixas órfãos
os teus amigos gatos
e algumas - muitas - folhas de papel A4
viúvas
da tua esferográfica

e agora Manuel já deves estar
na casa do destino

trata de puxá-lo
pela aba do casaco
e admoestá-lo
:
já viste o que fizeste
meu menino?
na morte de Manuel António Pina
:
não chegar
não implica
nunca se ter partido

bem como expirar
não é o mesmo
que não se ter nascido

( sujeito a revisão - reação a quente à notícia do eterno frio)

segunda-feira, 8 de outubro de 2012


PROFESSOR - EU?

não sou mas tenho pena
:
ensinar-te caminhos
veredas e atalhos

mostrar-te flores e fontes
e o céu quando o sol se esconde

e o arco-iris quando ameaça chuva
e o segredo
como se fosses criança

de onde ele toca o horizonte